ARCO IRIS Quando eu era uma criança tinha um sonho muito maior que o meu tamanho. Queria ter um arco iris. Um dia cresci e deixei de sonhar. Deixei o sonho e o sonho aceitou ficar no passado que era meu. Quando eu era criança tinha as costas muito largas e, embora eu tenha crescido, e por isso tenha deixado de sonhar, não deixei de ter as costas largas. Desde sempre me lembro de gostar de um arco iris simples. O arco iris tem muitas cores e em criança isso sempre me pareceu uma coisa boa e isso não mudou em mim por eu ter crescido. Por outro lado, o arco iris parece abraçar o mundo inteiro, é engraçado porque envolve quase todo o céu mas parece que não tem inicio nem fim. Da mesma forma tambem quis em tempos abraçar o mundo inteiro, hoje ainda quero, tenho em mim inclusive uma certa prepotência que me faz crer que posso não ser nem inicio nem fim de qualquer coisa, é pena que pensar nisso me faz doer os olhos... Gosto, no arco iris, dessa imensidão que transporta como se nunca se fosse acabar, dessa imponência que é como um sorriso que ilumina uma sala cheia de rostos cansados. Esse sorriso é contudo leve, de uma tranquilidade inebriante, dura uma hora, esse instante perdura no entanto até o seu regresso, tenho-o agora comigo, tenho a sorte de ir coleccionando na pele todas essas efemeridades. Não sou inocente totalmente, só pode existir arco-íris se chover e tempos de chuva não são sempre fáceis. Durante essa hora em que visto esse sorriso etéreo sou um aventureiro que se desafia arriscadamente, sem temer a vida e que vive numa dimensão diferente. Sinto-me intocável, quase que renasço criança, pleno do Nessa hora em que tenho o arco iris à minha frente, à distancia de um abraço, imagino-me perdido a sentir na pele o arrepio de cada toque de calor, o sabor de cada cor, a intensidade de cada centimetro. É pena ser criança nessa altura. Se eu pudesse ser adulto ao mesmo tempo e não me tremesse o corpo todo de estar vivo, talvez pudesse ter a esperança de não ter deixado de sonhar.. Se o arco iris fosse pessoa... |
"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas que já têm a forma do nosso corpo e esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares... é o tempo da travessia, e se não ousarmos fazê-la teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos". (Fernando Pessoa)
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quarta-feira, fevereiro 9
CEPTICISMO
Sou insuficiente uma vez mais. Acordo, esforçado, abraçado à dor nos olhos que de tempos a tempos me assola fatalmente. Sempre o amor como catalisador e o resto do mundo como vítima. Compreendo o amor mais do que queria, vivo-o mais do que o compreendo, e assim é que está bem, mas esse viver nunca é pacífico, também não é suposto que o seja. Nunca percebi muito bem para onde o amor me tem tentado levar mas facilmente percebo quando os caminhos são errados. Nesta realidade em que vivo e que presunçosamente sempre me pareceu minha, o amor chega como condição necessária à minha existência e eu aceito esse facto como se fosse hora do jantar, só não sei se hoje quero beber água, talvez não seja preciso para que me sacie inteiramente.
À parte de todas as certezas que tenho, as tais… de que o amor não pode ser definido (eu poderia chamar-me amor), de que controlá-lo não é uma utopia, é uma irrealidade consumada, e aspirar a algo que se possa parecer com uma tentativa de o fazer é não menos do que um devaneio próprio dos loucos em virtude de terem tempo de sombra no tempo que lhes está destinado, se eu quiser colocar um parêntesis sobre este assunto que meus dedos forçosamente querem gritar, como se fosse possível colocar o amor fechado entre dois mundos ou deixá-lo de molho, reservar, para usar mais tarde apercebo-me que a clarividência chega do escuro (e acendo a luz), que o melhor momento para ver o amor é no instante em que a noite cai e incontornavelmente se passa a fazer parte dela.
Claro que essa noite que chega, ciclicamente, como que vestida por fases não passa disso mesmo, o que ela é é apenas isso, escuridão total por ausência de luz, preto por ausência de cores ou por conter todas nela, não tenho bem essa certeza, sou céptico.